terça-feira, 13 de abril de 2010

PORQUE FALAR ME FAZ BEM

Meus filhos preciso falar e só sei fazer isso escrevendo, vou direto ao ponto, para não lhes tomar muito tempo e também para não ser cansativa essa minha conversa. Fiz sessenta anos e é chegada a hora de desabafar - não estou disposta a aceitar mais nenhuma estupidez nem injustiças, tão pouco opiniões formadas ao meu respeito de quem quer que seja principalmente de filhos. Se não quiserem me ver, ou mesmo saber de mim, paciência vou ficar triste, mas podem ter certeza que não vou morrer por causa disso. Mesmo com a pouca aposentadoria que temos eu e seu pai vamos tocando a vida. E parafraseando Simone grafo aqui: “Sinto muito mais não vou medir palavras não se assuste com as verdades que eu disser”. Filho que não gosta de ouvir, não conhece o coração de uma mãe. Alguma coisa está me incomodando? Vou falar. Minha morada aqui nesse prisma já está findando. O Tempo, o Senhor de tudo já expediu o meu passaporte. Tenho sessenta anos filhos, e os dias que viver daqui pra frente é lucro, e fiquem certos que vou aproveitar ao máximo do que me resta dessa minha estadia aqui nesse planeta. Vou colocar na porta do meu quarto de hotel aqui na terra Silêncio, não incomode, hóspede aproveitando o pouco tempo de férias que lhe resta. Por isso resolvi tomar uma decisão: a partir de agora só faço o que quero e falo o que não der mais para segurar. Não vou temer cara feia, gritos vociferados, indiferenças, isolamento de ninguém, e em especial de filhos. Podem ter certeza vou me sentir a vontade para dizer NÃO na hora que achar que devo dizer e ponto. Vou fazer apenas o que me sentir bem. E, óbvio, procurando a melhor forma de tentar não magoar as pessoas. Só não vou me violentar para ficar bem na fita com ninguém. Como costuma citar sempre o pai de vocês - “meu pai dizia que nos tempos dele ele via lobisomem, hoje nos estamos vendo coisas muito piores”. Tenho mais é que aprender conviver com isso. Sem querer fazer apologia a lamúria - vocês sabem que não gosto disso - nossas despesas são altas e nossas aposentadorias baixas e sem perspectivas de evolução – dependemos do humor dos nossos governantes e representantes - mas daria para levarmos uma vida meio que engessada, mas quase que tranqüila, não fossem as preocupações com o modo de viver de vocês – não estou fazendo nenhum julgamento, apenas constatando uma realidade que só com a adição de décadas de anos vividos é que chegamos a essa percepção. Temos que vir sempre aos médicos, e quando estamos aqui não queremos dar despesas. E quando falo de não dar despesas inclua-se aí todos os filhos porque onde estivermos nos sentimos na obrigação de participar. Seria inquietante para nós ficarmos na dependência dos filhos ainda mais quando estes também têm suas vidas estruturadas em cima das suas despesas cotidianas. Assim como eu e seu pai. Uma pergunta que não quer calar: - eu e seu pai vivemos pedindo alguma coisa a vocês? Respondo: Não - É por orgulho? Vaidade? Egoísmo... Nada disso, quisera meus filhos ter para nos dá. Isso massageia nosso ego, como sei que vocês ficariam muito felizes e vaidosos também de servir aos seus pais - e falo de cadeira, porque foi a minha maior alegria quando consegui colocar minha mãe como minha dependente. Mas sabemos que nada é fácil para ninguém principalmente os que trabalham honestamente e não seria justo não contribuir, uma vez que temos salários também. Talvez vocês estejam se perguntando: Com essas despesas que meu pai e minha mãe têm devem ganhar razoável! Será? Querem saber a resposta? É só assistirem a TV Senado ou mesmo lerem algum jornal de Associações de Aposentados. Vocês, além disso, têm chance de mudarem suas histórias, pois ainda estão sendo escritas. E nós aposentados? Há muito que já escrevemos, editamos e publicamos a nossa história. Apenas a vida na sua sabedoria, não nos deixa sem saída e nos ensina como gerenciar para dar até o próximo pagamento. Às vezes como vocês jovens, damos umas vaciladas e, pronto, temos que apelar para o sorteio. É o caso do IPVA, não podemos deixar sem pagar são setecentos e poucos reais divididos de três vezes, alguma coisa vai ser postergada para pagamento depois, mas tudo se normaliza e gerenciando certinho dá para ter tranqüilidade e viver feliz. Aprendemos com o tempo a cultuar a simplicidade, e comprarmos alegria sem dinheiro: Uma rede preguiçosa pra deitar e ouvir música com uma chuva fina no telhado em tardes frias de inverno, a copa frondosa da árvore a nos emprestar a sua sombra com seus enormes braços detendo os raios escaldantes de um sol dourado, uma pássaro se banhando numa poça d’água nascida dos pingos de uma torneira mal fechada, um beija-flor parando no ar, a retirar com seu bico o néctar das flores, as tiradas de um neto aprendiz de gênio ou sabe-se lá de que... A corrida disparada para o abraço de uma neta tão doce que tem gosto de jujuba. As retóricas de uma menina de oito anos que horas nos dá a impressão de ter sido caçada a dente de cachorro tal qual uma índia no mato e em outras horas que foi criada nas passarelas da moda do tanto de caras e bocas que faz. E um certo adolescente que embora rebelde nos escolheu para sermos a sua âncora nos momentos que o “mar não está para peixe”? E sem dinheiro também compramos a doce espera da chegada de mais dois bebês na família. Presentaço! E as cabriolas e corridas desengonçadas de um cãozinho que só falta falar a abanar o seu rabinho num convite às brincadeiras? Sei que vocês pela forma negativa de agirem ao lidar com verdades que lhe são ditas vão me deixar um bom tempo na geladeira por esse meu desabafo, não importa, um dia a porta da geladeira quebra e um vento morninho entra e descongela tudo - imagine um casal idoso vivendo em um sítio distante de Salvador cerca de duas horas e meia - claro que por opção nossa - com limitações – não “vendemos” mais tanta saúde – não é apelação emocional, não é isso que quero levar-lhes a sentir, mesmo porque sou avessa a esse tipo de comportamento patético. Muito embora saiba que pelo menos um de vocês acha que faço teatro. Quem dera, teria conseguido muita coisa boa na minha vida! Sou verdadeiramente rude nesse sentido, mas garanto que nos sentimos muito bem lá. A nuvem lilás que paira sobre as nossas cabeças é conseqüência do pouco caso que fazem do nosso cantinho. Meu Deus que pessoas são vocês? Será que é verdade o que dizem que podemos gerar, mas nunca saberemos a cor da alma de cada filho? Branca, rosa, lilás, preta, azul, verde, vermelha ou um arco-íris? Apenas uma verdade vocês não podem escamotear: O amor meu e de seu pai por todos, indistintamente. Não lhe negaremos apoio nem ajuda em nenhum momento das suas vidas, só se não pudermos ou não tivermos, porque amor de pai e mãe é indelével, mesmo quando vocês nos gritam parecendo que estão falando com alguém que não são nada seus, quiçá, nem seus pais, ou nos colocam nos braços do abandono sob o comando da própria sorte. Será que vocês têm, por menor que seja, um mínimo de consciência de que estão enterrando vivos os seus pais? Ou só lembram deles nas suas necessidades? Acredite filhos: pai e mãe ainda é o melhor porto para atracar. Eu hoje só lamento o meu porto seguro ter se demolido tão cedo. Parece que foi ontem que vi pela última vez o meu porto se demolindo em meio a tubos, fios, agulhas, ferros, luz, oxigênio, cateteres, monitores... E por fim uma caixa de madeira feia, horrorosa com um vidro triangular onde se via um rosto de alguém que ia embora deixando órfãos, viúva e alicerces tão bem edificados, onde eu debruçada sobre ela pranteava a minha dor. A caixa de madeira iria ser colocada numa célula bem pequena feita de bloco e vedada com cimento para o resto da vida. Meu “painho” que tantos conselhos me deu, que tanto brigou comigo, que tanto fez por mim, se mudou de casa, agora ia descansar o corpo naquela célula pequenina enquanto a alma livre e solta ganhava a eternidade. E eu? Não contava? Quem me chamaria atenção a partir daquela data que eu tinha que arranjar um emprego para ajudar meu marido? Quem iria brigar comigo por eu ter ousado a entrar no grupo dos viciados em cigarro? Quem iria me repreender por meus comportamentos equivocados? Quem iria me socorrer nas horas que eu precisasse correr para os braços sempre abertos em busca de apóio, ou mesmo da minha infância que se perdeu pelos vários caminhos que o tempo cria? Perdão Te pedirei meu Deus, mas isso não foi descente. O Senhor desmoronou meu porto muito cedo! Filhos, vocês são privilegiados, nas suas idades eu já não tinha mais meu velho para pedir colo e a minha mãe hoje é quem precisa do meu colo e mais uma vez fui castigada porque infelizmente não posso dar-lhe. Fui podada por limites impostos à minha saúde fragilizada muito cedo, talvez pelos excessos cometidos na juventude. Mas não me rendo, estou ainda no jogo da vida que agora tem muito mais sentido de diversão do que de vitória. Amo vocês demais, sinto uma falta gritante de um abraço, de um afago na cabeça feito por um filho, de uma simples pergunta apenas: - como vai você? Ou mesmo: - você está bem? Mas não posso querer o que não têm ou não querem dar. A consciência tem peso, o juízo lacunas Queria poder dizer-lhes tudo isso olhando nos olhos de cada um de vocês, mas sabem que é uma coisa impossível, São intolerantes, e não aceitam verdades e eu além de ter pavio muito curto reconheço a minha franqueza rude. Além do mais sempre me dei melhor com a linguagem escrita que a falada. Porém, algumas palavras posso dizer-lhes pessoalmente se me permitirem: Abrace-nos mais, o abraço de um filho adulto é agasalho para os nossos corpos. Visite-nos mais, não espere que nós lhe visitemos, a vinda de vocês à nossa casa é uma viagem que nos dão de presente para voltarmos ao passado e rever nossas crianças. Ligue mais para nós, a voz de vocês é bálsamo para nossos corações. Faça-nos cafuné nas nossas cabeças já grisalhas pelo tempo, - estou brincando de esconde-esconde com o tempo - pintei os meus cabelos para ele não me reconhecer – seus dedos traquinando em nossas cabeças tocam uma canção de ninar para nós. Fale baixinho conosco, já não há mais tempo de consertar erros que cometemos com vocês quando acreditávamos estar fazendo o correto. Já fomos julgados, agora precisamos da grandeza do perdão porque na nossa idade pode ser muito tarde esperar. E quem sabe esses seus corações não tenha um tiquinho de amor para nos dar? Beijos da sua mãe que os ama muito. Salvador, abril de 2010

Nenhum comentário: