Bem, mais um Diário de Lar: Como previsto, ontem foi um dia daqueles...
Jarli chegou da quimioterapia, cansada, debilitada, estressada,
nauseada, cheia de dor... Meu filho ligava por minuto para saber da
esposa, o que a deixou mais irritadiça. Ele não entende, que quanto mais
pegajoso mais estressa. Teve vezes que ela se negou a atender o celular
e dissemos para ele que ela estava dormindo. Ele teimava
em que acordássemos a criatura... De nada adiantava dizermos que ela
estava bem na medida do possível, que fazia parte do tratamento todo o
estresse... Jarli não faz uma simples quimio, a dela é a mais forte,
pois precisa diminuir o tumor para poder extirpá-lo, ela já tem lesões
nos ossos e por isso tem muita dificuldade de movimentar-se... Hoje,
ela não conseguiu se quer ir ao banheiro e eu tive que colocar a
"aparadeira" nela, um processo muito doloroso, porque é justamente no
quadril onde a dor está atacando com mais intensidade e eu não tenho
forças nem qualificação para levantar-lhe o quadril com o devido
cuidado. Mas conseguimos... Até aí tudo estava indo bem, mesmo aos
“troncos e barrancos” como costumamos dizer lá na Bahia. Mas, o grande
problema que estamos enfrentando – digo, estamos, porque sou eu e meu
marido - é Mariazinha. A criaturinha está cada vez mais levada da breca e
malcriada - entendo que o gênio embirrado tem a ver, além da idade, com
o afastamento da mãe – eram sozinhas, cúmplices, ela dormia durante o
dia agarrada ao pescoço da mãe comia no mesmo prato... essas coisas de
filho e mãe muito sozinhos em casa sem contato com o mundo lá fora.
(sempre tive comigo que isso não era uma educação correta, criança tem
que ter contato com outras crianças, com outro ambiente que não o de
casa, e brincar. Não só assistir os enlatados da televisão fechada – os
pais acham uma maravilha - A menina não fica parada um minuto, parece um
aspirador de pó - não pode ver um minúsculo cisco – que vista boa,
Amém!!! - Que pega e põe na boca. Quando quer uma coisa que não pode, se
joga no chão, chuta – mas uma nova forma de chamar atenção que ela
aprendeu - pula em cima da mãe, pega em tudo, abre gavetas... Se tirar
os olhos de cima dela por um instante se quer, ela já está no sanitário
aprontando, abrindo o box, mexendo na lixeira... Não gosta de roupas.
Índio?????? Tudo bem que minha bisa-avó foi índia, mas tanta geração
passou e me chega essa herdando os costumes? Não fica calçada – São
Paulo está frio demais, passo o dia inteiro, calçando meias e sapatos
nessa criança... Isso pegando outros pares de meia e sapato porque ela
esconde e daqui que eu vá procurar ela já está fazendo outras
travessuras. Sobe nas cadeiras, se dermos um vacilo sobe na mesa –
ontem ela ligou o liquidificador, não tava com o copo, o pé (do
liquidificador) saiu andando, ela levou um susto, começou a gritar e
chorar, eu reclamei mas ao mesmo tempo achava graça porque embora ela
tivesse levado um susto a cena foi hilária, não dava para ficar séria.
Não pode ver prato de comida, faz um escândalo! Só quer tudo na
mamadeira, eu forço uma colherada, ela cospe tudo em mim, na roupa, no
sofá.... Tem uma mania de cuspir tudo e sair limpando com a língua. Hoje
eu perdi a paciência com esse anjinho??? Sim, ela é uma benção quando
está na boa – como dizem os jovens de agora - dócil, carinhosa,
engraçada, vivaz... Dá vontade de colocar no braço apertar, beijar,
afagar... Coisa mais gostosa!!! Parece uma bonequinha, e eu sei que vou
sofrer quando chegar a hora de ir embora, me separar dela...
Continuando sobre as peripécias desse anjinho... – Ela cuspiu o celular
de avô- molhou todo - tem toc de limpeza, por isso quer “lavar” tudo, é
bem verdade que não é lá uma água normal, mas é líquido não é? Então
pra ela cuspe é água e das mais limpas e cheirosas. A sorte é que
“lavou” o fundo do cel, se fosse o visor, era uma vez um celular...
Chamei o avô que veio da cozinha de avental, pegou o pobre do celular
naufragado na saliva para enxugar- A cena ensombraria qualquer quadro
dos melhores de humor que já se tenha visto. E eu???????? Peguei a
moleca –já estava no meu limite – sentei-a com toda força em uma cadeira
e virei para a parede - Daqui você só vai sair depois de alguns minutos
para refletir e não fazer mais isso – disse. Essa menina fez um
escândalo, se descabelou, chutou, eu a colocava virada para parede, ela
virava pra frente querendo descer da cadeira e esse nosso pega levou
alguns minutos... Nisso a mãe falou – minha sogra, por favor, eu estou
com dor de cabeça... Sei que eu falo alto, e estressada, imaginem? Mas
não deu para segurar, respondi no ato – Infelizmente Jarli, a casa é
pequena, você está aqui na sala, e eu não vou deixar Maria tocar fogo na
casa e nem me chutar, tudo tem limite. Fiquei muito aborrecida na hora,
mas depois entendi que ela pra falar isso estava no limite dela. – Não é
fácil para uma pessoa sadia suportar o meu pega-pega com Mariazinha no
dia-a-dia, imagine uma criatura que tinha feito uma sessão de quimio na
véspera, cheia de dor, nauseada.... Fiquei com remorsos por ter
respondido daquela forma para ela, mas eu também tenho pentelhos e os
meus estão mais brancos do que normalmente estariam se me encontrasse
num ambiente de normalidade. Espero e tenho fé que ela quando passar o
efeito da quimio vai me entender. Sou avó, e os avôs estão no mundo para
mimarem os netos, ou num português bem claro – ESTRAGAREM, e não para
educarem, e eu a muito venho desempenhando esse amargo papel de ser
mãe-avó das filhas do meu filho.
Desculpa Jarli, perdoa essa sessentona, que não tinha o direito de perder o controle da situação num momento tão delicado, Mas se isso redime a minha culpa um pouco, apenas digo – SOU HUMANA
Desculpa Jarli, perdoa essa sessentona, que não tinha o direito de perder o controle da situação num momento tão delicado, Mas se isso redime a minha culpa um pouco, apenas digo – SOU HUMANA