
Por favor, não entrem em minha casa, eu não gosto desse modo chocante como nos informam. Mil vezes o pingo da torneira mal enroscada que me atrapalha o sono, a esse rosário desfiado por vocês dia após dia. Quero dar mais risadas, ouvir mais músicas – sinto falta de uma parada musical na televisão. Quero assistir menos programas sensacionalistas – É hora de deixarmos as Isabelas – pobres vítimas da degradação humana - descansarem em paz. Vamos esperar que os culpados sejam julgados pelos seus crimes nos fóruns legítimos, não por multidões ensandecidas, ávidas por fazer justiça, ou quiçá, apenas pelo prazer da tragédia. Que prazer mórbido é esse que alenta as pessoas a ficarem ruminando um crime hediondo reprisando ininterruptamente para conquistar audiência em cima da desgraça alheia e com isso enriquecer à custa de nós, pobres infelizes, que não conseguimos rejeitar o farto banquete de horrores que nos oferece? Porque será que não nos proporcionam banquetes de otimismo? Será que somos tão bárbaros assim a ponto de deixarem exposto o bufê dos horrores por horas, dias e semanas a fio para degustarmos prazerosamente?
Chega! Eu enjoei. Quero me empanturrar é de amor, quero fazer desjejum de alegria, almoçar paz e jantar felicidade Quero dormir embalada na certeza de que ser feliz é não instigar, acusar, defender, nem condenar ninguém sem que me tenham concedido permissão de colocar a toga para prática do direito de verbalizar. Não suporto mais os sismos do meu Eu provocado pela falta de escrúpulo de pessoas insensíveis e avarentas. Tenho certeza que essa é a fórmula para viver sem abalar a minha estrutura emocional, e estar sempre jovem, sem o horror da lâmina fria de um bisturi inexorável.
Decidi - vou boicotar todo e qualquer tipo desse comercio sensacionalista. Vou dizer não a esses infelizes que enriquecem à custa do nosso gosto pela miséria alheia.
Basta de servir de iscas para banquetes de tubarões.
Eu quero me fartar é de saber que toda criança está na escola. Que o médico, do posto ou do hospital público, aliviou o sofrimento de todos que buscaram os seus serviços. Quero me fartar de saber que ninguém ficou nas filas ou nos corredores de hospitais a espera de que lhe viessem colocá-lo num leito, simples que seja, com lençóis limpos em vez de uma maca tosca ou um papelão estendido no frio e imundo chão. O corpo, curvado pela dor acrescido à visão de desespero estampada no rosto do pai ou mãe ou filho ou amigo... Seja lá quem for que o acompanha, pedindo clemência, rezando, tumultuando - sofre talvez mais que o doente – este, já pressentindo a morte lhe rondando – vê com pesar que o socorro não chegará a tempo - fica quieto, moribundo no seu canto, como se quisesse esconder daquele que pranteia por ele, o sofrimento. Pedindo a Deus quem sabe, em forma de murmúrio, conformação e força para os que ficam, suportarem a dor da sua partida para a eternidade.
Sou um grão de areia nesse mar de infâmia – Sou pusilânime, não tenho ânimo pra me juntar a outros grãos de areia e formar uma duna que soterre a negligência, a indiferença, dos responsáveis por tão grande infortúnio. Tenho consciência da minha total imobilidade Mas tenho todo o direito de não compactuar com a banalização do sofrimento que esses párias proliferam.
Não entrem na minha casa, eu não vos delego autorização para me banquetearem com o mesmo cardápio indigesto, e enjoativo todo dia.
Ah - querem apenas me falar de boas novas? Então entrem, sintam-se à vontade para informar que índios são brasileiros como eu. Ta certo, eu compro o jornal, aumento o som da tv para ouvir a notícia que o idoso está vivendo com dignidade, colhendo com lucro, tudo que plantou durante o longo tempo que semeou progresso nesse país. Eu nem preciso trocar de canal, todos as televisões estão noticiando a bravura e a honestidade daqueles que no dia a dia do seu trabalho nos protegem dos equivocados que pensam que roubar, matar, estuprar é a essência do poder e da felicidade.
Eu tenho fome de saber que os nossos representantes os quais depositamos nossa confiança e esperança de defenderem um país mais justo, estão retribuindo o nosso voto, legislando em causa pública, deliberando pela vontade daqueles que lhe outorgaram tamanho poder. Vou pular, cantar, saborear uma fatia de pizza - a mais deliciosa que tiver, quando der no noticiário que o congresso não é mais um forno, e foi proibido o uso da varinha mágica para transformar leis em discos de pizza recheados com falta de caráter, com favorecimentos e enriquecimento ilícito. Quero ouvir a maioria dos brasileiros - sei que a unanimidade é burra - se referirem ao presidente com admiração pela bravura ao deferir a lei que derruba e veta a criação de novos impostos multifacetados. Quero, vê, ouvir e lê, o respeito que se tem ao chefe do Estado pelo cargo que ocupa. Quero me deliciar de tanto ouvir falar que a justiça se faz plena e imparcial na minha pátria. Quero assistir a tv, lê o jornal ou ouvir o rádio noticiando o direito assegurado à casa própria para todos. Quero me fartar de saber que ninguém convive com esgotos a céu aberto. Quero que noticie na tv que os que cumprem suas penas perante a sociedade, o fazem em lugares pra gente, e não pra bicho pois só assim não se estará concebendo uma nova espécie de raça, tão medonha quanto infeliz! Quero me emocionar de alegria quando a imprensa noticiar que pedidos de desculpas no trânsito virou refrão e uma doce música aos ouvidos de quem os ouve. Enfim, quero a notícia publicada a toda hora, todos os dias todos os meses, todos os anos... Que a raça humana conscientizou-se que é gente que faz gente, que respeita gente, que protege a fauna, que protege a flora.
Eu sou gente!
E você?
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